quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Quase


Adoro poesia e, perdoem-me as pessoas de outros países, mas não há poetas como os portugueses!

É da língua, concerteza, que com vocabulário tão rico e tão belo som sibilante ou ciciante, se presta a devaneios linguísticos que explicam, como ninguém, estados de alma ou outros.

Os únicos poemas que postei até agora neste blog são da minha autoria.
Hoje, apetece-me postar um dos poemas mais bonitos de Mário de Sá Carneiro, um poeta de que gosto tanto que até lhe "roubei" a inspiração ao primeiro verso do referido poema que, descaradamente, adaptei para o meu perfil. O que vocês não sabem, mas vão ficar a saber, é que só costumo fazer isto com os(as) autores(as) que muito aprecio.
Ora, digam-me lá se isto não é de uma genialidade e beleza ímpares?

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

11 comentários:

Angell disse...

"...Um golpe de asa". Haverá sempre tantos objectivos na nossa vida que lhes faltarão esse "Quase", para os atingirmos. A vida tem que ser feita de projectos e planos... mas convêm (a meu ver) vivê-la dia a dia e assim vai sendo construido o presente e; aos poucos... o futuro igualmente. Ambições a muito longo prazo, podem teimar em pura e simpesmente... não acontecerem!

Bjs!

P.S: Mas temos que viver sempre com a esperança no amanhã! :)

Anónimo disse...

"Sinto QUASE desejos de fugir ao mistério que é meu e me seduz"
_______________________________
"em frente dos meus olhos ELA passa(..)os seus passos são leves,vigorosos;no TEU perfil há distinção, há raça".M.Sá Carneiro
___________________________________
E a dança...da sedução....sempre....

Voemos.

Beijooooooooo

BoSeiJu disse...

Estranhamente ou não, reler este poema projectou-me para a história do Fernâo Capelo Gaivota, onde um golpe de asa deu azo a um imenso azul: ao infinito entre o céu e o mar.

nnannarella disse...

___________________________

É o que se pode dizer, uma quase absoluto.

Este Mário é de poesia sofrida e devastadora.

Eu já tinha reparado na "citação" brincalhona do perfil...:)

Beijos à querida.

Duca disse...

Angell

"P.S: Mas temos que viver sempre com a esperança no amanhã!"

Cada vez mais a minha esperança reside e, portanto, é vivida no Hoje!

Duca disse...

"ELA chama-me em Íris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecoa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A doida quer morrer-me:"

Mário de Sá Carneiro

Duca disse...

Boseiju

"...onde um golpe de asa deu azo a um imenso azul: ao infinito entre o céu e o mar."

Voar assim tão alto vendo emergir um tão longínquo infinito...

Duca disse...

Nnannarella

A poesia "sofrida e devastadora" de Mário de Sá Carneiro lembra-me, por vezes, um tango dançado, como diz a Cosmopolita num comment ao post anterior, "...com rosa na boca e naifa na liga..." com "crimes de sangue" à mistura, tudo acompanhado pelo choro de uma guitarra portuguesa...

Beijos, Tangos e Sedas

Anónimo disse...

adoro poesias tbm... principalmente Florbela Espanca...

Bjos
gostei do seu blog menina ;)

nnannarella disse...

________________


E concordo, querida Duca.
Poesia de alvoroço, de amante sofrente e demente

em delírios e delíquios de gaze...


Beijos, carrousséis e sentidos d'oiro...:)

Duca disse...

Turrep

Obrigada pelo seu comentário!

Bj