quarta-feira, março 17, 2010

Uma única história



- Olá querida, como estás?
- Olá linda! Estou bem e tu?
- Também! Gostava imenso de te ver. No próximo sábado faço um jantar lá em casa. Queres aparecer?
- Claro! Posso levar a minha namorada?
- Tens uma nova namorada? Que bom! Claro que podes! Quem é ela?
- Não conheces. Ela é brasileira e está cá de visita.
- Brasileira?! Ahn, ok … hum …
- O que se passa?
- Bom, conheces-me e sabes que digo sempre o que penso.
- Então diz!
- Tinhas mesmo que arranjar uma brasileira??? Não sabes que elas se deitam com quem lhes aparece à frente?
- Mas o que estás a dizer? Não te sabia tão preconceituosa!
- Não sou preconceituosa, sou só realista! Mas, tu é que sabes! Quando te correr mal, aqui estarei para te ajudar. Então, posso contar contigo e com a … a … a brasileira?


- Pá, tou bué da feliz! Surgiu-me uma excelente oportunidade para ir trabalhar para África e se tudo correr bem consigo ganhar umas boas coroas!
- Mas tu tás maluco ou apanhaste sol a mais, meu? Então tu vais para a terra dos pretos sujeitares-te a levar um balázio no meio dos olhos, daquela cambada de assassinos racistas que odeiam brancos e ainda achas que “tudo vai correr bem”? Queres voltar a Portugal num caixão? É isso que queres? Se te queres suicidar, não precisas ir para aquela terra de gente corrupta e miserável que mata por dá cá aquela palha! Tem juízo meu!


- Olha só aquilo! Coitadinhos parecem uns idiotas! Estes não são aqueles "qualquer coisa" Krishna?
- Hare Krishna. Não parecem idiotas, eles são uns idiotas. As roupinhas cor de laranja e as cabeças rapadas, então, são um must!
- Caramba! Vê lá a lavagem ao cérebro a que estes pobres coitados são sujeitos para fazerem figuras tristes destas e ainda por cima sorriem e parecem felizes, os imbecis!
- É o que dá andarem metidos em seitas de gente que só quer ganhar dinheiro à custa dos outros!
- É. Mas essa gente diz-se muito espiritual! Aproveitam-se de gente ingénua e papalva para os manipular a seu belo prazer! Cambada! Eu dava-lhes a espiritualidade!



Quem ler estas três histórias deve pensar que as situações descritas são criação minha. Contudo, engana-se! Qualquer uma destas situações, com uma ou outra nuance, se passou comigo. Na primeira, eu era a que tinha arranjado uma namorada brasileira. Na segunda, eu fui a que chamou maluco ao meu amigo. Na terceira eu era a que chamava idiotas aos Hare Krishna e desdenhava das suas roupas e cabeças rapadas. E, isto, aconteceu com toda a força do meu preconceito! Na verdade, o que chegou ao meu conhecimento, e que eu ouvi e acreditei, foi uma única história sobre o que se passava naquele continente e sobre aqueles que se atrevem a viver e a pensar de modo diferente do meu e, obviamente, da maioria.

E você, leitor(a)? Julga-se liberto(a) de preconceitos resultantes da única história que lhe foi contada ou, pior ainda, da única história que inventou?

Pobre de quem se julga livre de preconceitos porque não faz a mais pálida ideia de quem é, e essa, é a mais terrível e temível das ignorâncias!

A aclamada escritora nigeriana, Chimamanda Ngozi Adichie (15 de Setembro de 1977) autora, entre outros, do livro “Half of a Yellow Sun” - à venda em Portugal com o título “Meio Sol Amarelo” – residente nos EUA desde 1996 e cujas obras são a jóia da coroa da literatura das comunidades radicadas fora da própria pátria, nesta conferência, fala-nos, com extraordinário sentido de humor, inteligência e sabedoria, sobre os perigos que advêm de contarmos, inventarmos, ouvirmos, acreditarmos e sairmos repetindo uma única história sobre seja quem ou o que for.

Aconselho-vos vivamente o visionamento do vídeo da conferência que deu origem a este post e, já agora, ao que sobre o mesmo assunto diz a minha brasileira aqui e, ainda, aqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

Duca minha querida, que post maravilhoso!
Só quero disser ísso.
Beijos
mineira

Adida Gelo disse...

Hilariante e dolorosamente verdadeiro! O preconceito e a certeza são os progenitores da estupidez. Mas que filha tão fashion!!!!